O acesso à leitura ganhou destaque recentemente com a discussão sobre a taxação de livros no Brasil. Além do preço das obras, existem outros impedimentos para a população se aproximar dos conteúdos escritos: as barreiras metodológicas.
Segundo dados do IBGE de 2010, o Brasil possui mais de 6,5 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência visual, sejam elas cegas, com baixa visão ou visão subnormal. Nesse contexto, o hábito da leitura pode ser desafiador para quem não conhece o sistema braille, trazido ao Brasil pela professora e ativista cega Dorina Nowill. Ela foi a responsável pela criação da Fundação para o Livro dos Cegos, no Brasil, em 1946, que se tornou a Fundação Dorina Nowill para Cegos.
Na época, foi graças ao apoio de uma rede de voluntárias que enxergavam que a professora conseguiu difundir o braille e criar uma biblioteca, possibilitando o acesso à leitura para as pessoas com algum tipo de deficiência visual alfabetizadas pelo sistema. Atualmente, a fundação possui a maior gráfica braille da América Latina, com distribuição gratuita para mais de 3 mil instituições em todo o Brasil.
Foi a partir de 1972 que a Fundação Dorina passou a produzir livros falados, ampliando as possibilidades de acesso à informação. Hoje, o acervo conta com milhares de livros falados, livros digitais e e-pubs, além dos títulos em braille.
Como funciona?
Os títulos em audiolivros são disponibilizados de duas maneiras: pela biblioteca física, chamada de Biblioteca Circulante; e pela Dorinateca, a biblioteca virtual.
A Biblioteca Circulante só é composta por livros falados, em cds, e é assim chamada porque circula o Brasil inteiro. Qualquer pessoa de qualquer estado pode pedir um título, enviado de maneira gratuita pelo correio ou retirado presencialmente. Após a leitura, basta devolvê-lo à instituição. Ao todo, são 5.135 audiobooks, indisponíveis no momento por conta da pandemia.
Todos os livros falados são feitos com voz humana de ledores. Esse trabalho é executado com profissionais da voz, como locutores e dubladores. Além disso, também é possível ser um ledor voluntário, com a leitura feita em casa já com uma pré-edição.
Kely Magalhães, gerente dos serviços de apoio à inclusão da Fundação Dorina, contou que existem algumas etapas até que o áudio seja gravado: “Para ser voluntário, são feitas uma série de testes, como de voz e ruídos de residência, por exemplo. Tudo isso para que a gente ofereça um produto final com a mesma qualidade feita em um estúdio. Fora do contexto pandêmico, também é possível utilizar os estúdios da própria fundação”.
Já a Dorinateca conta com materiais em todos os formatos, de livros falados a arquivos em braille para impressão. Também são disponibilizados livros no formato Daisy, com conteúdos mais técnicos e narrados por uma voz sintética. Para acessá-los, é necessário o uso do software Dorina Daisy Reader, que permite marcar páginas, citações e soletrar palavras. Todos os serviços são gratuitos, basta apenas se cadastrar para acessar o acervo.
Segundo Kely, o número de acessos teve um aumento de 20% em 2020. Com a paralização da Biblioteca Circulante imposta pela pandemia do Coronavírus, a Fundação Dorina permitiu o download de mais títulos por vez para incentivar a leitura dos livros falados, item mais procurado no período.
Hoje, a Biblioteca Circulante conta com seis voluntários, parados no momento por conta da pandemia. Tanto ela quanto a Dorinateca estão dentro de uma área chamada Serviços de Apoio à Inclusão. Nela, são oferecidos atendimentos como o acesso à informação e à cultura, de maneira geral, mas também trabalhos voltados à autonomia e independência, com o processo de habilitação e reabilitação da pessoa com deficiência visual.
Público-alvo e formações para educação inclusiva
O público-alvo dos livros falados das bibliotecas seguem o perfil das estatísticas do IBGE sobre a população cega no país: adultos, seguidos de idosos.
Há também uma área de educação inclusiva que visa estimular crianças e jovens na fase escolar e assistidos pela instituição a acessar a biblioteca virtual: “Nós temos serviços interventivos, dentro dos serviços de habilitação e reabilitação, como a pedagogia, onde estimulamos que nossos atendidos busquem os livros, acessem e façam a leitura”, pontuou Kely.
Além do estímulo à leitura, a Fundação Dorina trabalha com palestras e formações para professores da rede pública e privada. O serviço é gratuito e basta a escola se cadastrar no site www.trocandosaberes.org.br.
Após o cadastro, as escolas recebem um dos profissionais da Fundação Dorina e conhecem um pouco do universo da pessoa com deficiência, sobre o contexto e a inclusão dessa criança e desse jovem no meio escolar. As atividades continuaram mesmo durante a pandemia e mais de 5 mil profissionais da área da educação passaram por capacitações, palestras e acessaram o portal de educação inclusiva.
Desafios na busca pelos lançamentos
Não existe novidade sobre o que é mais procurado em termos de audiobooks: lançamentos e best-sellers. Mas há um entrave ainda muito grande para disponibilizar esse material simultaneamente aos livros impressos e digitais: as editoras.
“A gente luta bastante e é um trabalho de formiguinha, pois o ideal é que o livro nasça acessível também, na construção dele na editora”, informou Kely. Atualmente, a espera por um livro falado varia de três a seis meses. Segundo a gerente, o ideal seria que os lançamentos já saíssem da editora acessíveis, conforme prevê a Lei Brasileira de Inclusão.
Além da biblioteca, há uma infinidade de serviços oferecidos pela Fundação Dorina por meio de voluntários, como a compra de livros e a produção deles. Kely explicou que são feitas pesquisas com os usuários para saber o que eles buscam naquele momento.
É possível contribuir com o acervo por meio de doações, sendo um parceiro-doador ou um amigo-mantenedor, não apenas na biblioteca, mas em todos os serviços de habilitação e reabilitação. No site da Fundação Dorina, na área “Como ajudar”, há informações de como se tornar um doador ou voluntário.
Participação Social
Além do empréstimo de títulos, a Fundação Dorina também promove um trabalho chamado “Leitura Inclusiva”. Nele, a equipe que faz visitas in loco, além da formação, orienta sobre como a pessoa com deficiência visual pode utilizar o livro.
Há também uma série de outros serviços oferecidos para a inclusão de pessoas em processo de perda visual: “Nós reabilitamos para o mundo, para que ele seja incluído socialmente, é uma inclusão social. Nesta parte de reabilitação, nós temos oftalmologista, psicologia, fisioterapia, pedagogia, terapia ocupacional, serviço social e professor de gerência por mobilidade”, informou Kely.
Cerca de 1.300 pessoas são atendidas anualmente pela Fundação Dorina, que tem realizado serviços por teleatendimento e videoconferências durante a pandemia, além do atendimento presencial, exceto na fase vermelha da pandemia. A expectativa é que pelo menos mil pessoas sejam atendidas em 2021.