Foto de Gabrielzinho do Irajá, um homem jovem, branco, com barba escura e óculos escuros. Ele usa um chapéu panamá e uma camisa florida e há árvores atrás

Conheça a história do sambista Gabrielzinho do Irajá   

Foto: acervo pessoal. Créditos: Gabrielzinho do Irajá

Por William Truppel

 

Gabriel Gitahy da Cunha, mais conhecido como Gabrielzinho do Irajá, tem 26 anos de idade. Natural do bairro de Irajá, no município do Rio de Janeiro, ele é cantor, músico, ator, compositor, artista, contador de histórias, palestrante e um dos talentos da nova geração de sambistas brasileiros.    

 

  A paixão pela música e a carreira como sambista   

 

O encanto pela música começou de forma precoce, ainda bebê, com Nana Caymmi e a canção “Resposta ao tempo”: “Antes do samba, eu conheci a música aos dois anos, com a série ‘Hilda Furacão’. Escutei a música e fiquei fissurado por ela, aquilo me interessou muito na hora. Pedi o disco da série para ouvi-la toda hora. Depois disso, eu fui ver o show da Nana no Canecão e foi assim que começou o meu interesse pela música”.    

   

A iniciação no samba veio um pouco depois, aos cinco anos, quando conheceu uma cantora chamada Dorina, também de Irajá, que lhe deu um CD de presente. “Era um CD dela, que me pediu para ouvir e ver qual música eu mais gostava. Aí, eu comecei a me interessar”.    

   

Foi quando ele descobriu que Dorina tinha um programa de rádio só sobre samba e que poderia ligar e pedir música. Foi então que começou a aprender sobre samba e a escutar Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz e Sombrinha, Almir Guineto, Dudu Nobre, Beth Carvalho, Jorge Aragão e outros artistas da época.    

   

A identificação com o samba foi tão forte que, um ano mais tarde, Gabrielzinho participou do seu primeiro carnaval e já com uma função das mais importantes: puxador de samba-enredo na escola-mirim da Portela, conhecida como “Filhos da Águia”.   

   

“Comecei a ir nos sambas, a frequentar todos os pagodes da cidade: Pagode do Arlindo Rival, Tia Doca, Cacique de Ramos, estava ainda a Tia Ciça… Eu era da Portela, da Mangueira, do Império… Tinha muita coisa boa na época para curtir e, então, eu fui conhecendo todos os sambistas, os compositores, fui fazendo amizade com todo mundo. Foi quando a Tia Silvica, da Portela, comentou comigo sobre os ‘Filhos da Águia’, a escola-mirim da Portela, que estava começando. Ela me perguntou: ‘Você gosta de cantar, não quer ser o nosso puxador aqui, nosso intérprete?’. E, aí, fui ser puxador de samba-enredo, com seis anos. Meu primeiro carnaval”, comenta.   

   

Da avenida para as telas e a causa da inclusão   

   

Um dos pontos que destaca na sua trajetória foi a participação na novela “América”, de 2005. “Foi o momento mais importante, que mais levantou minha carreira. Eu estava começando ainda a cantar as sequências nas rodas de samba e, de repente, já estava na novela cantando samba e mostrando o meu trabalho”.    

   

A carreira de ator impulsionou seu trabalho como sambista, permitindo que ele gravasse seu primeiro disco, que contou com participações de Zeca Pagodinho, Dudu Nobre, Arlindo Cruz, a Velha Guarda da Portela, Dorina, Luiz Carlos da Vila, Nana Caymmi e o grupo Fundo de Quintal.    

   

Além do lançamento do álbum no Canecão, Gabrielzinho, que é cego, saiu em turnê e divulgou não apenas o seu trabalho como sambista, mas a inclusão social. “Eu tinha nove anos e a novela recebeu vários prêmios. Fomos para Brasília, Recife, Porto Alegre, Minas Gerais, São Paulo, Piauí, Ceará. Eu conheci muitos lugares e muita gente me conhecia, até fora do Brasil. Estava começando o Orkut, e as pessoas mandavam mensagens dizendo que a novela estava passando em Portugal, nos Estados Unidos e que todo mundo estava vendo. Isso me proporcionou muitas coisas boas”, celebra.   

   

Ele é o autor de composições gravadas por Zeca Pagodinho, como “Não vou magoar meu amor” e “Amor pela metade”, e por Diogo Nogueira, no DVD “Samba de Verão”, no pout pourri, com as canções “Patrimônio mais nobre” e “Chuva no sertão”.   

 

O sambista cita alguns nomes da música que o inspiram, como a família Caymmi e ícones do samba: Luiz Carlos da Vila, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Seu Monarco, Tia Doca, Tia Surica, Seu Casquinha, Seu Waldir 59, toda a Velha Guarda da Portela. Contudo, ressalta que é fã e influenciado por todas as referências desse gênero musical. Ele conta, ainda, que gravou um novo clipe, o qual terá recursos de acessibilidade, de uma música chamada “O mundo é fundo de quintal”, em homenagem a outras personalidades da música. O lançamento ocorrerá no canal do Youtube do artista e perfil no Instagram.   

   

Mercado artístico e a importância da diversidade   

   

Gabrielzinho chama atenção também para a falta de investimento nos artistas. Essa situação, de acordo com o sambista, faz com que a classe artística tenha uma vida muito difícil, : “A classe artística, no Brasil, não tem tanto investimento, sendo pessoa com deficiência ou não. Só há investimento para aqueles que já estão na mídia. Esses conseguem uma gravadora para mostrar o seu trabalho. Quem é músico independente tem que trabalhar de pouquinho em pouquinho, de bar em bar, de lar em lar, de cidade em cidade, levando, no meu caso, o samba para todo o Brasil nessa correria, sempre”.    

   

Gabrielzinho ainda pondera a música em relação ao teatro que, de acordo com ele, é mais defasado de apoio: “Se a gente analisar, o ator vive do que ele conquista na bilheteria.  É uma vida muito difícil, com ou sem deficiência”, conclui.   

   

Por fim, destaca a questão social e a importância da diversidade. Para ele, a diversidade tem que ser celebrada e respeitada. Na sua avaliação, entretanto, houve um retrocesso nesse sentido e os artistas que defendem a diversidade têm perdido espaço.   

   

“Estamos vivendo um grande retrocesso agora de coisas que há 10 anos nós imaginávamos que nem existiam mais. Acho que os líderes mundiais estão muito autoritários. As pessoas que são autoritárias acham que também podem ser racistas, preconceituosas, nazistas. Não só no Brasil, mas no mundo. E muita gente não gosta de falar disso e não respeita nem mais os artistas que falam sobre isso. Agora, quando um artista se posiciona sobre alguma coisa, é cancelado. Isso me entristece muito, porque as pessoas que tem uma visão de mundo mais aberta estão perdendo espaço e isso não pode acontecer.”  

 

O apoio da família na carreira   

 

O artista conta que não sofreu preconceito devido à deficiência: “Eu nunca sofri nenhum tipo de discriminação por ter uma deficiência. Conheço muitos amigos que já sofreram e me solidarizo com todos, mas eu nunca. Sempre tive muita sorte das pessoas me acolherem muito em todos os lugares. Era muito acolhido na escola, no samba, em tudo o que eu ia fazer”, relembra.    

   

Ele acrescenta que a persistência, o foco, além da família foram fundamentais para o seu sucesso: “A família é o mais importante para a pessoa com deficiência. Minha mãe e minha avó sempre me apoiaram muito. Tudo o que eu quis fazer, eu fiz graças a elas. Com o apoio da família, tudo fica mais fácil”. 

 

Evitar o papel de vítima é um ponto que Gabriel aborda em defesa do respeito às diferenças entre as pessoas: “Você é uma pessoa como qualquer outra, só tem uma limitação. Sabe-se lá, se eu fosse uma pessoa sem deficiência, se eu faria todas as coisas que já fiz até hoje na vida. Provavelmente não”.