Foto: acervo pessoal. Créditos: José Otávio Pompeu
Por Elsa Villon
A vida de José Otávio Pompeu começou como a de muitas crianças. Morador de Porto Feliz, no interior de São Paulo, ele logo iniciou sua trajetória escolar. Mas percebeu que algo era diferente, sem entender ao certo o motivo: “Eu tenho muita facilidade para fazer o que as pessoas consideram difícil, e muita dificuldade para fazer o que consideram fácil”.
Uma das coisas com as quais teve facilidade foi aprender a ler: antes mesmo de ingressar no ensino fundamental, ele já havia lido a Enciclopédia Britânica, por acreditar que deveria chegar às aulas preparado. Por outro lado, havia muita dificuldade na fala e na socialização: “ Eu aprendi a ler antes de falar, e tinha muitas dificuldades em descer escadas, amarrar os sapatos ou fechar um zíper”.
Outra característica que lhe chamava atenção era o cansaço após as aulas ou depois de muito tempo exposto a um grupo grande de pessoas. “Meus pais eram cirurgiões dentistas, e sempre tinha muita gente em casa para cuidar de mim e dos meus dois irmãos, além de visitas recorrentes. Era muito barulho e aquilo nunca me fez bem, mas eu não sabia o porquê”, relembra.
A perda do pai na adolescência, aos 14 anos, foi um marco importante em sua vida. Foi também nessa fase, ainda em período escolar, que ele prestou vestibular para Ciências Matemáticas da Terra, na Universidade de São Paulo (USP), e passou. “Eu prestei só como um teste, não imaginava que poderia passar”, comenta.
A descoberta no Espectro Autista
Após concluir o ensino médio, realizou novamente vestibular e ingressou em terapia ocupacional na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Durante seu estágio, passou a ter mais contato com pessoas com autismo, mesmo sem ter consciência naquele momento de que ele próprio também tem Transtorno do Espectro Autista (TEA).
“Trabalhei em vários lugares, estudei em vários lugares, sem ter a consciência de que eu era uma pessoa com deficiência, uma pessoa no espectro autista. A maior dificuldade foi ter que ‘parecer normal’, estar em um local barulhento, em uma aula ou palestra, por exemplo, e fazer a crise esperar eu sair desse lugar para acontecer”, afirma.
Logo, percebeu que muito do seu comportamento estava relacionado ao transtorno, como as crises que teve ao longo da vida: “Eu tinha, em média, duas crises por semana, o que dá mais de duas a três mil crises ligadas ao autismo. Isso vai desde simplesmente ficar cansado, chegar da escola depois de tanto barulho e ter que deitar por duas horas, ou na hora do almoço passar mal por conta dessa crise e não conseguir comer, até crises mais graves”.
Outro ponto é a intensidade das crises, que vão desde mais leves a mais graves, dependendo das situações. Em alguns casos, a própria vida da pessoa é colocada em risco, como em uma estação de metrô ou aeroporto. “Você pode perder o senso de orientação e se colocar em perigo, entrando em lugares que não deve, ou exibindo comportamentos que possam ser confundidos com uma conduta perigosa, chegando até a perder a liberdade de ir e vir”, comenta, alertando que muitas pessoas com TEA são vistas como perigosas durante as crises por não serem entendidas pela sociedade.
O papel da rede de apoio
O apoio familiar, de amigos e a consciência de ser uma pessoa com deficiência foram fundamentais para José Otávio seguir com sua rotina de estudos e pesquisa: “Eu sempre tive uma família que me apoiou e verdadeiros amigos, mesmo antes de saberem que eu era autista”.
Atualmente professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele destaca a importância do apoio no ambiente do trabalho para compreensão de suas necessidades.
“Eu realmente preciso que as pessoas entendam que alguns comportamentos não são porque eu quero, são porque eu não consigo evitar. Por exemplo, eu gosto de ir a festas, mas eu não aguento, porque depois de uma aglomeração com várias pessoas, eu vou ter uma crise. Então eu preciso me preservar. Eu penso muito antes de me colocar em uma situação de estresse que possa gerar uma crise”, pontua.
José Otávio destaca que o autismo é um transtorno que acontece no corpo todo e o comportamento que as pessoas veem, com a parte social, é só uma das características que englobam o TEA. “Gostaria que as pessoas soubessem que no autismo existem muito mais processos inflamatórios, comparados aos que podem ocorrer com as demais pessoas, como dor de ouvido, problemas estomacais, intestinais, dentários. Ainda hoje, o autista tem uma expectativa de vida 20 anos menor que as demais pessoas”, informa. Segundo dados de um estudo publicado no American Journal of Public Heath (Revista Americana de Saúde Pública, em português), a idade média de um adulto com autismo é de 36 anos, enquanto a da população geral é de 70 anos.
Ele também ressalta que crianças com autismo são mais propensas a acidentes, dado trazido pela mesma pesquisa, que indica um índice 40 vezes maior em relação às outras crianças: “É preciso deixar a pessoa com autismo com seus comportamentos, como balançar o tronco e outras coisas, porque ela está se auto organizando. Eu gostaria que a sociedade aceitasse os autistas como eles são”.
As pesquisas em torno do TEA
Os estudos na área do autismo não foram planejados na vida do pesquisador. Foi durante o estágio da faculdade de terapia ocupacional que ele passou a ter mais contato com o tema em si.
Após concluir o curso, já professor na Faculdade de Medicina da UFRJ, deu início aos estudos na área de neurociência computacional e começou a trabalhar com autismo. “Comecei a estudar, e algumas pesquisas não deram muito certo, mas todas contribuíram para eu me entender mais e poder ajudar famílias. Hoje eu tenho uma rede, que eu auxilio, de mais de 500 famílias de pessoas do espectro autista, em que, por meio da informação, nós conseguimos melhorar as crises e oferecer qualidade de vida para elas”, comenta.
O trabalho consiste no estudo de uma tecnologia que vem da computação afetiva e tenta entender o que ocorre no corpo durante uma crise de autismo, como já acontece com a epilepsia, por exemplo. José Otávio explica que há mudanças sutis no comportamento da sua frequência cardíaca ou na eletricidade da pele, chamada de condutividade. “É aquela hora que você sente um arrepio forte, então a crise é precedida por um aumento abrupto dessa condutividade na pele, mudanças no coração, aumento da temperatura. Por meio desses dados é possível prever crises”, explica.
Os estudos evoluíram, mas não foram conclusivos a ponto de criar um produto final, com uma tecnologia capaz de antever as crises de autismo. No entanto, as informações contidas nessas pesquisas são disponibilizadas de forma gratuita para centenas de famílias de todo o Brasil, principalmente por meio de grupos de WhatsApp.
José Otávio também menciona outras pesquisas, ligadas aos processos inflamatórios e que são realizadas em parceria com uma startup. “É feito um inflamograma, que mostra como está o nível de proteínas nas pessoas e, a partir daí, é analisada a inflamação. Desta forma, os médicos terão um melhor tratamento para crianças com autismo, podendo diminuir inflamações possibilitando uma melhora no quadro”, finaliza.