Mara Gabrilli fala sobre situação de pessoas com deficiência na guerra da Ucrânia

Senadora Mara Gabrilli esteve em Genebra e se reuniu com diversas organizações para apoiar população com deficiência durante o conflito 

Foto: Mara Gabrilli. Créditos: Divulgação

 

Por Elsa Villon

 

Desde 24 de fevereiro de 2022, a Ucrânia sofre com os ataques russa sobre o seu território. A população ucraniana busca apoio internacional de diversos países durante o conflito, que completa quatro meses em junho, já fez milhares de mortos e causou a fuga de milhões de pessoas para países vizinhos. 

 

Um dos pontos é a situação de refugiados, sendo a maior formada por por mulheres, crianças e pessoas acima de 60 anos, mas também a população com deficiência, que se viu impossibilitada de deixar as áreas atingidas pelos ataques.  

 

Entrevistamos a senadora Mara Gabrilli, representante na Comissão Mista de Migração Internacional e Refugiados no Congresso Nacional, para contar um pouco sobre sua vivência no conflito e o papel do Governo Federal no apoio a essa população junto à Organização das Nações Unidas (ONU). 

 

Confira como foi a entrevista abaixo: 

 

1 – Quais são as principais ações em relação aos refugiados da Ucrânia?  

Mara Gabrilli: Em março, passei três semanas na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça, representando o Senado Federal. É lá em que os principais assuntos relacionados ao tema de direitos humanos da Organização das Nações Unidas são discutidos. Como porta-voz da Comissão Mista de Migração Internacional e Refugiados do Congresso Nacional, meu objetivo foi acompanhar as condições de brasileiros e refugiados na guerra da Ucrânia, especialmente dos mais vulneráveis, como pessoas com deficiência e pessoas idosas. 

 

Aproveitei a oportunidade para me reunir com diversos representantes de organizações internacionais de direitos humanos e de ação humanitária em contextos de conflitos armados, além de me reunir com a própria Embaixadora da Ucrânia na ONU, Yevheniia Filipenko.  

 

Me reuni também com representantes da Missão Permanente do Brasil junto à ONU em Genebra; Governo Federal, por meio do Itamaraty e Ministério da Saúde; representantes da HIAS International, organização sem fins lucrativos que fornece ajuda humanitária e assistência a refugiados; Frente Brasuca, formada por voluntários brasileiros que estão ajudando brasileiros e ucranianos na fronteira com a Polônia; Handicap International, ong que trabalha com refugiados com deficiência; e a International Disability Alliance (IDA). 

 

Com nossos contatos, obtivemos uma lista de insumos que estão faltando em hospitais da Ucrânia para atender sobreviventes e vítimas da guerra e fomos atrás de conseguir doações para enviar a esses locais. Enviei ofícios a mais de 70 empresas e entidades solicitando doações. Na lista de doadores estão: Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Sírio-Libanês, Braile Biomédica, a Associação Brasileira da Indústria de Dispositivos Médicos (ABIMO), Ortopedia Jaguaribe e Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. 

 

Em meados de maio, finalmente pudemos comemorar a chegada das primeiras doações à Ucrânia que ajudamos a reunir. Os produtos foram enviados por meio de uma parceria com a Agência Brasileira de Cooperação, vinculada ao Itamaraty. Outra parcela de insumos chegou à Ucrânia por meio de parceiros na própria Europa. Mas a entrega de ajuda segue sendo um desafio nas partes do país onde existem conflitos armados. O trabalho é feito por diversas entidades, como o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), ONGs internacionais e grupos de voluntários. 

 

Entre as doações estão: materiais cirúrgicos, cadeiras de rodas, muletas, medicamentos e insumos médico-hospitalares. Do Brasil, os produtos chegam a Varsóvia, na Polônia, onde são separados e, posteriormente, enviados à Ucrânia. Continuamos reunindo doações que serão enviadas em remessas futuras. 

 

Com base nas diversas reuniões e contatos internacionais realizados em Genebra, observei a necessidade de propostas legislativas que solucionassem lacunas jurídicas presentes no estado brasileiro em casos concretos relatados durante a minha missão.  

 

Um dos casos foi em relação às doações. Muitas empresas tinham interesse em doar, mas encontravam entraves em relação à nota fiscal. Por conta disso, protocolei no Senado a PEC nº 8/2022, que visa alterar o artigo 150 da Constituição Federal para vedar a instituição de impostos sobre as doações de produtos, bens e serviços destinados a ações humanitárias. A desoneração de insumos doados em crises humanitárias é fundamental para facilitar e estimular o envio de assistência nacional e internacional, seja de organizações, empresas ou pessoas físicas para estes locais.  

 

Outra proposta que apresentei foi o projeto de lei nº 787/2022, que dispõe, em caráter excepcional, sobre a gestação por substituição. Trata-se de uma tentativa de responder ao atual desafio de casais brasileiros que contrataram barrigas de aluguel ucranianas em contexto anterior ao conflito em curso. O projeto envolve contratos celebrados com gestantes que vieram ao Brasil no contexto do conflito armado entre Ucrânia e Rússia no ano de 2022. A Ucrânia é um dos poucos países que permite o chamado uso de “barriga de aluguel” com transação financeira. Embora essas gestantes ucranianas possam vir ao Brasil com vistos humanitários, elas são registradas como mães legítimas das crianças, penalizando mães e pais brasileiros que contrataram o serviço. Esse PL, portanto, busca assegurar que brasileiros contratantes não fiquem em situação de vulnerabilidade legal no que concerne aos direitos parentais sobre os próprios filhos e que as gestantes ucranianas contratadas possam chegar ao Brasil com segurança e a plena garantia de seus direitos. 

 

2 – Qual a situação das pessoas com deficiência durante o conflito? 

MG: A situação dessas pessoas é dramática. Trancadas em porões, sem água, sem comida, sem cobertores, machucadas, impedidas de fugir. Tivemos relatos de cadeirantes que morreram ao serem utilizados como escudo. Nas fronteiras, pessoas com deficiência intelectual e psicossocial não conseguem se comunicar. Nas cidades, pessoas com deficiência auditiva não conseguem se antecipar aos bombardeios por não escutarem os avisos sonoros. Por meio da rede de contatos que fizemos, conseguimos identificar alguns desses casos e resgatar algumas pessoas que estavam nesse tipo de situação. 

 

3 – De que maneira o ACNUR está agindo no acolhimento desse público?  

MG: O ACNUR, na qualidade de Agência da ONU, tem um mandato neutro e independente, trabalhando para assegurar que qualquer pessoa, em caso de necessidade, possa exercer o direito de buscar e receber refúgio em outro país e, caso deseje, regressar ao seu país de origem de forma segura. 

 

Como o Brasil é signatário tanto da Convenção de 1951 da ONU sobre Refugiados quanto de seu Protocolo de 1967, o ACNUR atua com as autoridades brasileiras para garantir que esses instrumentos internacionais sejam implementados e os solicitantes de refúgio consigam, efetivamente, proteção internacional. 

 

Em minha missão à Genebra, o ACNUR foi essencial para que eu pudesse, por exemplo, me reunir com agentes da ONU que estivessem atuando in loco na Ucrânia para entender exatamente quais eram as demandas mais urgentes e como eu poderia ajudar de forma eficaz na busca dos insumos mais essenciais. Na ocasião, me reuni, por exemplo, com Sergii Lavrukhin, oficial de proteção do ACNUR na Europa de origem ucraniana, que relatou os esforços da agência para recepcionar e acolher os refugiados nos países fronteiriços, como a Polônia. No encontro, também me reuni com Ricardo Pla Cordeiro, que atua como ponto focal do ACNUR para pessoas com deficiência, o que atesta a importância que esta agência confere para as interseccionalidades existentes nos grupos em situação de extrema vulnerabilidade. Ambos relataram a atuação maciça do ACNUR para o provimento de assistência humanitária e humanizada para o acolhimento desse público em diferentes países. Portanto, o ACNUR segue tendo papel fundamental em nos auxiliar a proteger refugiados e a promover soluções de longo prazo que sejam sustentáveis para seus desafios, sejam eles estudar, trabalhar, acessar o sistema de saúde e de previdência e os direitos que todas e todos os cidadãos têm em nosso país para prosperar. 

 

4 – Há uma estimativa em números dessa população de refugiados? 

MG: Segundo dados do ACNUR de 16 de junho de 2022, mais de 12 milhões de ucranianos já foram forçados a deixar os seus lares, dos quais mais de 7 milhões saíram da Ucrânia em busca de refúgio em outro país. É a pior crise de refugiados na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Estima-se que haja ucranianos em mais de 44 países. De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, foram concedidos quase 150 vistos humanitários nacionais ucranianos. Com a falta de uma solução política e diplomática em vista, a tendência é que, infelizmente, esse número siga subindo. 

 

5 – Quais são os próximos passos para assistir os refugiados?  

MG: Considerando um cenário de continuidade do conflito no curto e no médio prazo, é fundamental que o Governo Federal siga com uma política de acolhimento a ucranianas e ucranianos que venham ao Brasil em busca de proteção internacional, ou seja, que se garanta a continuidade da concessão de vistos e de autorizações de residência humanitários previstos pela Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 28. 

 

É preciso, porém, lembrar que refugiados ucranianos representam uma nova parcela de um cenário mais complexo de migração e refúgio no Brasil. Só em 2020, o país recebeu 28,9 mil novas solicitações de refúgio, dos quais mais de 60% foram de venezuelanos; 22,9%, de haitianos; e 4,7%, de cubanos. Segundo dados do fim de 2020, o Brasil reconheceu um total de 57 mil pessoas refugiadas em seu território (considerando o acumulado geral de 2010 a 2020). A pandemia reduziu significativamente o número de imigrantes registrados no Brasil, mas, com a flexibilização, seguiremos com uma tendência de alta nos próximos meses. É fundamental lembrarmos também de outras nacionalidades vindas ao nosso país, com destaque aos afegãos, principalmente após a retomada do Talibã no ano passado, e ainda pessoas refugiadas de conflitos duradouros no Iraque, na Síria, na República Democrática do Congo e de outros países em todo o mundo.  

 

Por isso, é fundamental que o Congresso Nacional participe dessa importante campanha de conscientização e empatia em prol dos refugiados, fortalecendo, assim, o protagonismo histórico do Brasil como país acolhedor e promotor dos direitos humanos de pessoas das mais distintas nacionalidades.  

 

6 – Há alguma informação que gostaria de adicionar? 

MG: No dia 20 de junho é celebrado o Dia Mundial do Refugiado. Nesta data precisamos reforçar a importância de sermos uma nação acolhedora e humanitária, lembrando que temos a Lei de Migração e a Lei de Refúgio, além de diversas convenções internacionais da ONU das quais o Brasil é signatário, como a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, a Convenção para a Redução da Apatridia e o recente Pacto Global para a Migração. Todos esses acordos devem ser cumpridos.  

 

Como senadora e membro de um Comitê na ONU, testemunho no dia a dia a importância das relações de cordialidade e respeito entre os países. E quem quer crescer não pode ignorar fenômenos de migração internacional e a condição, muitas vezes desumana, de refugiados. O Brasil que almejamos é aberto e acolhedor, com respeito e tolerância a todas e todos que recebemos. 

 

No dia 22 de junho de 2022, solicitei à Presidência do Congresso Nacional que seja considerado, diante de todo esse cenário, a iluminação das edificações do Congresso na cor azul e a projeção de imagens de pessoas refugiadas no Brasil, oriundas de diferentes nacionalidades, em parceria com o ACNUR. As fotos expõem uma série de situações comuns à integração de pessoas refugiadas no Brasil, tais como seus locais de trabalho, suas chegadas a novas cidades brasileiras que apoiam a estratégia de interiorização e cenas cotidianas dos abrigos do ACNUR em Boa Vista, no marco da Operação Acolhida, que presta serviços de acolhimento para migrantes venezuelanos em Roraima.  

 

A data vem em atenção ao Dia Mundial do Refugiado, considerado desde 2001 e que, neste ano, coincide com os 25 anos da Lei Brasileira de Refúgio, que mencionei acima. Além disso, o ano de 2022 marca os 40 anos de operação do ACNUR no Brasil. Trata-se, portanto, de uma data com bastante significado na proteção de pessoas refugiadas em nosso território. Essa iniciativa é para que todos nós possamos nos conscientizar e lembrar que o Brasil foi, e deverá seguir sendo, reconhecido internacionalmente como um país acolhedor. 

 

Temos um histórico de cooperação humanitária, construído ao longo de anos por nosso corpo diplomático. Somos um país que emana empatia e acolhimento. O resultado de tudo isso é refletido no acolhimento de refugiados, mas também nas doações que temos conseguido angariar e na união de várias frentes, de instâncias diferentes, que se juntaram para ajudar o outro.  Minha sensação hoje é de muita gratidão por fazer parte desse movimento.