No Dia Mundial do surdo, entenda a importância da diversidade 

Foto de Lak Lobato, uma mulher branca, com cabelos longos e castanhos que está sorrindo e olhando na direção da câmera. Ao fundo, há estantes de livros
Lak Lobato defende o uso de diferentes formas de acessibilidade para surdos nas escolas. Foto: Acervo Pessoal. Créditos: Ana Erica Monte Morbiolo

Lak Lobato defende o uso de diferentes formas de acessibilidade para surdos nas escolas. Foto: Acervo Pessoal. Créditos: Ana Erica Monte Morbiolo

Por Elsa Villlon

O Dia Mundial do Surdo é celebrado em todo último domingo de setembro no mundo inteiro. A data é marcada pelo reconhecimento da diversidade de pessoas com deficiência auditiva e mobiliza ações e campanhas ao longo do mês. 

Ao pensar em acessibilidade para surdos, é crucial entender a diversidade humana dentro da deficiência auditiva, sem soluções únicas como um grupo homogêneo, mas sim com diferentes características e necessidades. 

Há surdos sinalizados – que se comunicam pela língua de sinais de seu respectivo país, sendo cada uma própria ao território –, e surdos oralizados, que se comunicam oralmente e são alfabetizados no idioma de seu país natal. Há também os surdocegos, que nascem ou adquirem as duas deficiências e podem fazer uso de língua de sinais tátil. 

Entre os surdos oralizados, é preciso considerar ainda pessoas que nascem surdas e, ao longo da vida, são oralizadas, com acompanhamento de um fonoaudiólogo e uso de aparelhos ou implantes cocleares, condução óssea ou tronco cerebral; pessoas que perdem a audição gradativamente ao longo da vida; e as que perdem a audição por completo subitamente, em algum acidente ou por motivo de doenças; ou, por fim, as que são surdas unilateralmente.  

Para Lak Lobato, publicitária, fotógrafa, escritora e militante da causa dos surdos oralizados, a perda auditiva ocorreu subitamente, aos nove anos de idade: “Acordei sem ouvir nada, tenho perda total dos dois ouvidos”. Foram 22 anos de surdez, apenas com leitura labial, até realizar a cirurgia do implante coclear e voltar a ouvir.  

Ela relembra que, no primeiro ano, passou por diversos médicos especialistas até chegar à conclusão de que seu caso era decorrente de um processo inflamatório por possível caxumba, meningite ou toxoplasmose: “É muito comum ocorrer perda auditiva em casos de doenças infectocontagiosas e, atualmente, isso pode ser rapidamente tratado com corticoides. Mas, naquela época, esse não era o protocolo”. 

A perda da audição também foi a realidade enfrentada por Geovane Souza, produtor de eventos e controlador de tráfego aéreo militar reformado. Em 2018, ele foi diagnosticado com surdez neurossensorial bilateral profunda. “Quando estou sem próteses, digo que ouço ‘através da pele’ e o que consigo entender de leitura labial foi aprendido antes da pandemia”, conta. 

Já Paulo Sugai, advogado e bancário, nasceu surdo devido à rubéola, contraída durante a gestação de sua mãe. Com surdez profunda, ele utilizou aparelhos auditivos até 2018, quando realizou a cirurgia por implante coclear na orelha esquerda.  

Para ele, o processo de oralização começou cedo, com o uso de aparelhos auditivos e idas à fonoaudióloga. Além disso, menciona o envolvimento familiar, que introduziu a leitura com gibis entre seus hábitos para o processo de alfabetização: “Esses quatro pontos – uso de aparelho auditivo ou implante coclear, fonoterapias, apoio familiar e leitura – foram fundamentais no meu domínio da língua portuguesa”.  

Barreiras enfrentadas no dia a dia 

Foto de Geovane Souza, um homem negro, careca, com barba grisalha. Ele está em um ambiente aberto, com uma praia ao fundo, de pé, e olha na direção da câmera
Geovane adiou os planos de aprender Libras para depois da pandemia. Foto: Acervo Pesssoal. Créditos: Geovane Souza

Mesmo com o uso de aparelhos e implantes, voltar a escutar não é, necessariamente, se tornar um ouvinte. Ambientes muito barulhentos, cuja arquitetura dos espaços tenha eco e reverberação, a baixa qualidade do áudio em palestras, seminários, transmissões online, filmes e programas e a falta de legendas são fatores determinantes para a dificuldade de compreensão das pessoas com deficiência auditiva que utilizam diferentes recursos de acessibilidade. 

Lak, Geovane e Paulo têm a língua portuguesa como primeiro idioma, por isso a janela ou intérprete de libras não os contempla. A disponibilização de legendas é uma das formas de garantir que os surdos oralizados tenham acesso ao conteúdo oferecido em vídeo, inclusive em filmes nacionais. Outro impedimento recente é o uso de máscaras durante a pandemia, que dificulta a comunicação, pois impede a compreensão por meio da leitura labial. 

Além das barreiras comunicacionais, os três são enfáticos ao mencionar as barreiras atitudinais como as principais enfrentadas no dia a dia. De acordo com Lak, isso acontece pela falta de conhecimento da população sobre a surdez: “As pessoas ficam com muito medo de falar com você quando descobrem que é surdo”. 

Para Paulo, essas barreiras estão enraizadas na cultura brasileira: “Acredita-se que as pessoas com deficiência não são capacitadas, não conseguem cumprir determinada tarefa ou obterem conquistas. Isso prejudica a participação social da pessoa surda em igualdade de condições e oportunidades com as demais”. 

Geovane relata que se sentiu excluído ao descobrir a surdez, quando tentou aprender Libras e se engajar com surdos sinalizados: “Sem generalizar o comportamento, mas no episódio em si, muitos se expressaram com agressividade, me chamando de ‘falso surdo’, o que me desanimou bastante para aprender a Libras”, conta. 

A importância de diferentes soluções 

“A surdez não é um bicho de sete cabeças, mas não deve ser desmerecida. É preciso compreender que há um todo microcosmo dentro dela, com diversos perfis de pessoas surdas, e é impossível rotular toda essa diversidade com base em um único preceito”, afirma Paulo. 

Lak ressalta que o principal é conhecimento sobre as necessidades desse grupo e que as pessoas reconheçam que é preciso melhorar a comunicação com todo mundo, não apenas com os surdos: “Somos o melhor exemplo para ajudar a melhorar a comunicação como um todo. Basta que as pessoas escutem mais e estejam mais preparadas para ouvir, não só para responder, mas para entender o que nós estamos dizendo”. 

O uso de Libras é algo que divide as opiniões. Paulo tem contato frequente com a língua desde 2017, quando conheceu o grupo Diversidade Surda: “Foi um processo incrível, que me possibilitou abrir a mente e conhecer todo um mundo novo, pois através dela, posso me comunicar e conhecer novas pessoas”. 

No momento, Geovane adiou os planos de aprender Libras por conta da pandemia. Lak, no entanto, afirma que sabe o básico, mas não se identifica com a Língua Brasileira de Sinais e que antes de instaurar uma lei que torne obrigatório o ensino bilíngue, é preciso que o texto da lei seja claro e abrangente: “Quando isso chega nas escolas, é extremamente confuso, porque o que o professor é informado é que o surdo só aprende pela educação bilíngue, e a escola entende que a Libras é a única forma de inclusão de surdos. Não há definição de quais são as outras opções”. 

Para ela, é crucial o reconhecimento da diversidade e o acolhimento de crianças implantadas ou que utilizam aparelhos, com receptividade da classe e dos educadores. Além disso, destaca a importância da oferta de professores auxiliares ou material acessível a esses estudantes, que não é necessariamente em Libras: “A criança pode ter um grau de perda gradativa da audição, basta que o professor use um microfone remoto para que ela possa ouvi-lo, conectado diretamente ao aparelho”. 

A importância do Dia Mundial do Surdo 

Foto de Paulo Sugai, um homem branco de cabelos e barba escurps. Ele usa um terno cinza e olha na direção da câmera, sorrindo
Paulo nasceu surdo e foi oralizado desde criança, mas aprendeu Libras em um grupo sobre diversidade surda. Foto: Acervo pessoal. Créditos: Paulo Sugai

Mesmo sem pertencer a nenhuma associação ou ONG, Paulodefende que a data é uma possibilidade de levantar a bandeira da luta surda para que ela seja vista por mais pessoas e conscientize a população: “A surdez é uma deficiência invisível, mas as pessoas surdas não são. Elas merecem a inclusão para viver em igualdade de condições e oportunidade com as demais pessoas. Queremos ser vistos!”. 

 

Lak é diretora-financeira da Associação Nacional dos Surdos Oralizados (ANASO) e milita pela causa o ano todo. Autora de quatro livros sobre o tema, ela está promovendo a campanha “Escute como um surdo” no Facebook e no Instagram, com palestras relacionadas à surdez. A programação teve início no dia 21 de setembro, Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, e vai até dezembro, com diferentes temas. 

Em setembro, a diversidade dentro da deficiência auditiva é a temática abordada, com transmissões ao vivo que contemplam legendas e janela de Libras. Para ela, é importante desmistificar que a surdez tem um perfil, pois é diversa e a comunicação é plural: “Quando a gente entende isso, o mundo se transforma”. 

Geovane também é militante e faz parte da ANASO e a da Associação Brasileira de Surdos Oralizados (ABRASSO).  Além dos eventos, ele tem parceria com uma loja virtual de produtos que traz estampas com experiências reais vividas por surdos. No Dia Mundial do Surdo, ele deixa uma mensagem para as empresas: “Não deixem de dar oportunidades aos surdos e não limitem as cotas às vagas sub operacionais. Criem mais oportunidades reais e de posições táticas e estratégicas”.