Foto em plano detalhe de uma maçaneta bola, bem antiga em uma porta de madeira

Ora, bolas! O diabo mora nos detalhes

Por Flávia Cintra

Você já experimentou abrir uma porta com maçaneta de bolinha depois de usar creme hidratante nas mãos? Imagine, então, fazer isso carregando sacolas. Agora quer saber o pior? Em caso de incêndio, o metal aquece rapidamente e se torna impossível segurar firme para liberar o giro da famigerada trava circular.

O sujeito morre queimado porque não conseguiu abrir a porta, já pensou?

As maçanetas em alavanca são muito mais democráticas e seguras. Podem ser acionadas com o cotovelo se as mãos estiverem ocupadas. Elas não escorregam e seu uso é confortável para todos. Em uma emergência, qualquer objeto pode ser usado para empurrar a alavanca para baixo. Crianças, idosos, pessoas com artrite ou mobilidade reduzida nas mãos e até cães treinados podem abri-las. E elas ainda são mais baratas.

O principal argumento para falta de acesso sempre foi o custo. Com a exigência do cumprimento das leis e a cada vez mais freqüente presença das pessoas com deficiência em todos os setores da sociedade, transformações positivas vem acontecendo diante dos nossos olhos. Mas é necessário aperfeiçoar o olhar, incorporar a inclusão na vida prática, pois a acessibilidade arquitetônica sem a sensibilidade humana será sempre incompleta. Quer um exemplo disso? Veja só o que me aconteceu dia desses:

Em um banheiro lindo, todo acessível para cadeirantes e ricamente decorado, eu não encontrava o botão de descarga do vaso sanitário. Procurei acima, abaixo, dos lados e nada. Pensei que poderia haver sensores e fiquei movimentando os braços em torno do vaso. Nada. Intrigada, procurei até decifrar o enigma. O botão estava no chão. Sim, no chão. Era necessário pisar nele para disparar a descarga. Ainda tentei manobrar a cadeira para alcançar o botão com a rodinha da frente, mas não deu. Como pode um banheiro para cadeirante ter uma descarga acionada somente com o pé? Incrédula e sem alternativa, deixei o meu xixi lá parado e fui embora.

Falta de atenção semelhante acontece quando se instalam aquelas lixeiras com um pedal na base para abertura do tampo. Já cansei de encontrá-las em banheiros acessíveis. Não me conformo. Em cada uma dessas situações, procuro o responsável pelo estabelecimento para explicar que cadeirantes geralmente tem dificuldade em movimentar pernas e pés.

É até constrangedor falar algo tão obvio para alguém, mas vejo muitas pessoas realmente surpresas com a informação. A histórica falta de convivência deu nisso, o que também deve explicar porque ainda acontece de você atravessar a rua com uma rampa de um lado e um degrau do outro. Quem faz não absorveu o significado prático na vida de quem usa.