Por Luiza Russo, Diretora Executiva do Instituto Paradigma
O Jornal Folha de São Paulo, nesta última quinta-feira, 15/7/2021, publicou uma matéria, surpreendente, relatando o esforço do governo federal em viabilizar, enquanto uma política de Estado, a oferta do ensino remoto para as pessoas com deficiência, e tendo como justificativa o atendimento aos apelos de seus familiares que relatam dificuldades de mobilidade e de adaptação na escola regular. Este súbito gesto, também serve como forma de sensibilizar congressistas para a aprovação do projeto, que originalmente foi arquitetado para atender grupos religiosos conservadores descontentes com a forma como a escola vem se posicionando em relação aos valores sociais, morais e religiosos; além de atribuir-se a ela a propagação de um viés ideológico aos conteúdos, às suas rotinas e estratégias pedagógicas. Assim, incluir a população com deficiência na serventia e relevância deste projeto, traz o apelo assistencialista, e até populista necessário para a boa diligência desta iniciativa, na atual conjuntura política que atravessamos.
É necessário se destacar que esta iniciativa se coloca na contramão dos passos progressistas que, em especial, a escola pública tem dado, apesar de suas carências e fragilidades, e concretizando esforços no sentido de se fazer cumprir a Constituição de 1988; acolhendo a diversidade e o multiculturalismo como valor e marco da legislação brasileira para a inclusão educacional, fruto de tratados internacionais de que o Brasil foi signatário, assim como das reivindicações e do trabalho incansável da sociedade civil organizada, assim como do Congresso Nacional, promovendo conquistas pela garantia da equiparação de oportunidades e de direitos a educação para todo o cidadão brasileiro, com deficiência ou não.
Dividindo a mesma página do jornal, nesta data, o Conselho Nacional de Educação enfatizava a urgência do retorno dos alunos as aulas presenciais na escola, suspensas nesse período da pandemia, onde a Profa. Maria Helena Guimarães Castro , presidente deste Conselho, colocava a urgência da retomada da rotina escolar e a importância deste espaço como um elemento fundante para a socialização dos alunos; para a convivência com seus pares; e para as interações coletivas que lhes garantam compreender o mundo; assim como exercitar, aprender e conviver com o pluralismo de ideias e com as diferenças culturais, numa dimensão constituinte do ser humano. Ela também nos lembra, em sua entrevista, que 85% da educação básica brasileira é pública, assim como 87% do ensino médio.
É, no mínimo, intrigante, a leitura dessas duas notícias na mesma página do jornal, e com propósitos tão contrastante: uma propondo o retorno ao isolamento e a outra reivindicando a retomada da vida em comum… duas realidades tão distintas, cabendo uma reflexão a respeito. Não estamos buscando rechaçar o ensino remoto, pois entendemos que, em circunstâncias especiais e até complementares ao ensino regular, ele poderá ser útil a todos os alunos; assim como deverá estar disponível, e com a infraestrutura necessária, como uma opção a ser adotada.
No entanto, ele não poderá ser apresentado como solução para a educação das pessoas com deficiência, valendo-se como justificativa da sua própria condição; o que faz necessário enfatizar que suas características singulares fazem parte de sua constituição enquanto sujeito e que não podem ser interpretadas como uma “circunstância” a ser reconhecida enquanto um obstáculo para o seu acesso, permanência e aproveitamento na escola. Esta seria, também, uma forma preconceituosa e muito cômoda de se superar os entraves em relação a acessibilidade desses alunos no ambiente escolar, uma vez que receberão sua educação em casa, descompromissando os gestores públicos dos desafios provocados pela convivência da diversidade na escola.
Além disso, do ponto de vista pedagógico, as perdas também poderão ser contabilizadas, seguindo como exemplo, o período da pandemia da covid-19, onde imensas dificuldades se colocaram à frente do processo ensino-aprendizagem de todos os alunos, com o fechamento das escolas. Essas dificuldades se materializaram na inviabilidade de acesso à tecnologia e a conectividade, infraestrutura básica necessária para o ensino remoto, dada a exclusão econômica e social em que esta população está inserida. No caso dos alunos com deficiência não foi diferente, e consideramos até muito mais séria, pois além da realidade socioeconômica, da privação tecnológica, também ficaram carentes do atendimento educacional especializado (AEE) que lhes garantissem a acessibilidade pedagógica aos conteúdos escolares.
O ensino remoto, se não for bem estruturado como mais um recurso e estratégia de aprendizagem para os alunos, retira-lhes direitos. Para os alunos com deficiência, ferem suas garantias ao ensino acessível e com qualidade, assim como lhes nega a convivência e o sentimento de pertencimento a seus grupos de referência e a participação efetiva na vida escolar e comunitária. A acessibilidade a que nos referimos é a da qualidade da mediação pedagógica oferecida pelo professor; é a do convívio, e das diferentes formas de aprendizagem que ocorrem nas experiencias coletivas em sala de aula, tão fundamentais para os alunos com deficiência; e não somente a acessibilidade tecnológica.
Portanto, esta perspectiva colocada pelo atual governo precisa ser debatida cuidadosamente, tanto no âmbito dos especialistas quanto da comunidade escolar, de forma isenta, laica e com foco em direitos já adquiridos que não poderão retroceder. Além disso, não desconsiderar, em nenhum momento, a dimensão real do perfil do alunado da escola pública brasileira, incluindo aqueles com algum tipo de deficiência, que convivem diariamente com a privação econômica e social, em relação às necessidades básicas, colocando em risco a sua integridade como cidadãos brasileiros que são.