Flávia Vital aborda a importância da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência 

Foto: acervo pessoal. Créditos: Flávia Vital

Por Elsa Villon

O texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, elaborada em Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), foi aprovado em 13 de dezembro de 2006 e defende a promoção e proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais, de forma equitativa, dessa população. 

Diversos países, incluindo o Brasil, assinaram a Convenção, em 2006, e a versão final resultou da colaboração de pessoas de diferentes setores da sociedade, vindas de diversas partes do mundo. Uma delas foi Flávia Maria de Paiva Vital, comunicadora social, atualmente aposentada, que lutou para garantir que a proposta da ONU contemplasse também a realidade de países do hemisfério sul em desenvolvimento. 

“Eu fui para a ONU através de um projeto chamado Projeto Sul, idealizado por um ativista da Costa Rica, Luis Astorga, que já estava prevendo que a Convenção estava tomando a cara dos países do norte, já desenvolvidos. Faltava a questão dos problemas ligados aos demais países do sul. Então ele uniu representantes de diversos locais do sul para participarem da elaboração da Convenção”, relembra. 

Antes disso, Flávia já participava de reuniões promovidas pelo Governo Federal para que a sociedade civil estivesse aliada ao governo nas demandas a serem apresentadas na ocasião. Izabel Maior era a secretária nacional dos direitos das pessoas com deficiência e promoveu um encontro para alinhar uma só fala entre a sociedade civil e o governo. “Isso facilitou muito o trabalho na ONU, porque a Convenção é um tratado de diferentes países, diferentes culturas, costumes e religiões. É o mínimo para assegurar a dignidade das pessoas com deficiência”, destaca Flávia. 

A importância da ratificação

Após a publicação do texto final, o Brasil trabalhou para avançar na garantia dos direitos das pessoas com deficiência. Em 9 de julho de 2008, foi publicado o decreto nº 186, que aprovou no Congresso Nacional a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência como parte da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 

Segundo Flávia, ela foi ratificada por duas seções para que pudesse ter esse status de constituição brasileira. “Isso foi muito importante, porque a partir dela novas políticas tiveram que ser elaboradas e, ao mesmo tempo, a própria Constituição dizia que se algum país tivesse algum tipo de legislação que assegurasse melhores condições para pessoas com deficiência do que é proposto na Convenção, deveria estar no alento à política local”, pontua. 

Em 25 de agosto de 2009, foi publicado o decreto nº 6.949, que promulga a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu protocolo facultativo. 

Os avanços e os desafios desde então

Após a ratificação, um dos pontos mais importantes foi o compromisso de levar o texto para o conhecimento da população com deficiência. Flávia afirma que foi um período de muito trabalho para divulgação da Convenção, pois as próprias pessoas não entendiam ou sabiam o que isso representava. 

“Esse trabalho foi feito no Brasil inteiro com a colaboração de lideranças locais. O processo de ratificação teve, dentro do Congresso Nacional, também o apoio dessas militâncias de vários estados. O Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, participou levando diversos líderes para Brasília, com o intuito de expor aos congressistas a própria compreensão. Neste período, o Instituto Paradigma também estava com essa missão e cumpriu com a culminância da ratificação da Convenção”, conta. 

Entretanto, ela afirma que as conquistas, desde então, foram muito lentas, pois todo avanço demandava orçamento: “Na época, o maior avanço que tivemos foi na área da educação. O Ministério da Educação e a Secretaria Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência fizeram uma série de diretrizes para cumprir a educação inclusiva”. 

Outro avanço foi a elaboração e a aprovação da Lei brasileira de Inclusão (LBI), também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, que é o texto da Convenção sobre as Pessoas com Deficiência trabalhado de uma maneira mais didática na nossa legislação. Flávia defende que o estatuto garante que alguns princípios sejam assegurados. 

Um dos pontos ainda desafiador é a classificação funcional da pessoa com deficiência. Flávia destaca a questão como a mais importante, mas comenta que há falta de interesse político sobre o tema. Trata-se do modo social de se perceber a pessoa com deficiência e que, para ela, deveria valer para todos os ministérios, englobando todos os direitos e deveres dessa população. 

“Precisamos sair de um conceito médico para um conceito social”, enfatiza, dizendo que esta é uma questão trabalhada desde 2000, em um congresso realizado em Recife, em Pernambuco. Flávia afirma que, desde a ratificação, muitos grupos de trabalho vêm atuando em torno da questão de funcionalidade, mas que as mudanças de governo acabam atrasando o processo, assim como o próprio Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), órgão atualmente responsável pela definição e que, segundo a nova proposta feita, deveria ser efetuada por um grupo multidisciplinar. 

Flávia também afirma que há, ainda hoje, um movimento contrário aos direitos assegurados na Convenção e um retrocesso das políticas já conquistadas, em um desmonte feito a nível federal. Para ela, é fundamental assegurar os direitos que já existem e recuperar os que foram perdidos. A atual retaliação do Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência (CONADE) é apontado pela comunicadora como um ponto crítico no acesso ao direito à saúde, à educação, ao trabalho e à moradia da população com deficiência como um todo. 

O papel da sociedade civil

Outro ponto apresentado por Flavia é a questão da segmentação da sociedade civil na luta pela garantia dos direitos das pessoas com deficiência: “Cada grupo se juntou para lutar pelo mínimo”. Ela afirma que a própria população com deficiência tem se fechado dentro de suas próprias necessidades, buscando recuperar direitos, antes estabelecidos, que foram perdidos ao longo do tempo.  

“Atualmente, temos o problema na saúde, em que se percebe que os autistas lutaram de forma isolada para conseguirem manter o tratamento integral deles. Mas outros grupos ainda estão na luta. É muito difícil quando a pessoa está faminta você dizer para ela: ‘Vamos juntos que a gente vai mais longe’. A pessoa tem que comer, hoje e agora”, pontua.  

Flávia também destaca a importância das lideranças da sociedade civil ocupando papéis dentro dos organismos que desenvolvem as políticas públicas e que, atualmente, muitas pessoas não capacitadas ocupam esses cargos: “Por isso acontecem essas leis e decretos que trazem um atraso não só para a pessoa com deficiência, mas para a sociedade como um todo”. 

Um dos exemplos citados é a questão de reajuste na cobertura dos planos de saúde, ponto importante para a população que também sofre com doenças raras e demanda tratamentos específicos. 

Para a comunicadora, é indispensável que pessoas capacitadas sejam realocadas a esses cargos e tenham o poder de unificar esses segmentos, ao mesmo tempo em que desenvolvam novas políticas públicas. E que sejam pessoas com perfil de gestor dessas políticas: “Nós temos várias pessoas com deficiência que têm esse perfil. O que nós precisamos são pessoas que nasceram dentro desses movimentos sociais, que tiveram seu auge e conseguiram fazer parte de conselhos municipais e estaduais, e levar essas lideranças para dentro do governo, para que elas façam a gestão das pessoas com deficiência, dentro das suas peculiaridades e necessidades básicas, que são as necessidades de qualquer cidadão”. 

Por fim, ela acredita que o fundamental é levar conhecimento às pessoas, principalmente em situação de vulnerabilidade social. Flávia defende que graças à tecnologia e novas mídias, essa tarefa é mais fácil, seja por equipamentos próprios, seja por meio de equipamentos sociais disponibilizados em comunidades. 

“Essas ações ainda não cobrem toda a população com deficiência, mas já é um passo. Devemos aproveitar esse momento para levar informações para essas pessoas. Isso já foi iniciado, principalmente por conta do isolamento social em decorrência da pandemia, que trouxe essa oportunidade. E muitos estão aproveitando as salas de bate-papo, conferências online, e eu espero que isso só se acelere”, finaliza.