O jornalista Jairo Marques ao lado da filha Elis, de 6 anos. Foto: Acervo Pessoal. Créditos: Jairo Marques
Por Elsa Villon
O Dia dos Pais é celebrado em diferentes datas ao redor do mundo. No Brasil, surgiu em 14 de agosto de 1953, quando o publicitário Sylvio Bherinh promoveu um concurso para homenagear três tipos de pais: o com o maior número de filhos, o mais jovem e o mais velho. Foram premiados um pai com 31 filhos, um jovem de 16 anos e um pai de 98 anos.
Como resultado do evento, que contou com a participação de várias entidades da imprensa, foi instituído o segundo domingo de agosto como Dia dos Pais. A ocasião é uma oportunidade para destacar a importância da figura paterna no desenvolvimento dos filhos.
Para Jairo Marques, jornalista e pai da Elis, de 6 anos, a paternidade é ajudar a prover uma existência. “É ter a chance de tentar fazer algo melhor ao mundo por meio de seu exemplo direto, de seus ensinamentos, do seu esforço em mostrar valores. Entendo como função de pai tentar oferecer nortes de justiça, de amor ao próximo, de empatia a ele”, afirma.
O consultor de marketing Bruno Beraldin pensa de maneira similar. Pai do Luca, de 14 anos, ele acredita que é a função mais honrada que um homem pode ter: “Não é nem só a referência da criação cultural, transmissão de conhecimentos ou a questão biológica, mas nos fazer acreditar que a vida vale a pena, que dá para ir mais longe”.
Já para Joaquim Barbosa, especialista em acessibilidade e empresário e pai da Laura e do Joaquim Angelo, de 12 e 9 anos, ser pai é uma oportunidade de ter amor incondicional por outro ser humano. “É você não imaginar a sua vida sem aquele amor e fazer de tudo para que eles estejam bem, saudáveis e felizes. É compartilhar responsabilidades, cuidar da saúde, da educação”, destaca.
Fugindo ao estereótipo de herói
A figura paterna tem passado por várias mudanças ao longo das gerações. De provedor a real parceiro na divisão de tarefas em relação ao cuidado dos filhos com a mãe, o discurso de pai presente como um herói perde forças a cada dia.
Até poucas décadas atrás, a criação dos filhos era uma tarefa exclusivamente feminina. A figura paterna era tida como provedora e, caso fosse um pai presente ou participativo, era considerado um pai modelo ou herói.
Com a ascensão das discussões contra preconceitos sociais, como o machismo, essa cultura vem sendo enfraquecida, embora ainda muito presente. Para Jairo, a pressão das gerações é gigantesca, mas é saudável e importante o papel do pai como protagonista e não apenas um complemento à mãe: “Penso que o processo precisa ser de construção, não de um guia pronto para ser seguido. Insisto que somos as nossas experiências e vivências e não há como nascer um superpai de um ninho sem referências, sem informação, sem discussões a respeito do machismo ou do feminismo”.
Bruno acredita que há muitas diferenças entre ser presente e estar presente: “Não vejo problema nenhum em um filho ver o pai como herói, mas não é porque ele é um pai presente que isso deva ocorrer. Na verdade, tem muitos pais que estão presentes, mas não são de fato. Eles estão no cômodo do lado, mas há pouca afinidade”.
Joaquim acredita que, para fugir aos estereótipos, é necessário se despir da figura de protetor ou provedor, mostrando que se está sempre forte para tudo: “É você se permitir, mostrar que você também cansa, também sofre, mas que vai fazer de tudo para melhorar, mostrar a eles que você também pode melhorar e que eles também podem ser parte da sua melhoria”.
Todos concordam que não há modelos ou padrões de pai para seguir e que cada um encontra, em sua própria paternidade, um estilo próprio. Mas, ao mesmo tempo, enfrentam outras dificuldades: o capacitismo e as barreiras atitudinais. “Já chegaram a me perguntar se eu tive meu filho antes de precisar da cadeira de rodas”, afirma Bruno.
Desinformação que gera constrangimento
Apesar dos avanços, as barreiras atitudinais e o capacitismo estão presentes frequentemente na vida de pessoas com deficiência, e isso não é diferente no quesito paternidade. Além de questões sobre a própria sexualidade, Bruno, que é cadeirante, afirma que não é incomum ser visto como exemplo de superação por coisas simples, como pegar um metrô ou levar seu filho à escola: “Já aconteceu várias vezes, de encontrar pessoas em eventos e elas comentarem ‘Nossa, você consegue sair, você está aqui, você é meu herói’. Eu falo: ‘Eu só estou fazendo o básico’”.
Para Jairo, também cadeirante, um pai é um pai, não um pai com deficiência. E que não há modelos de pai ideal: “Cada pessoa oferece o que tem de acordo com suas experiências, vivencias, credos, valores. Uma cadeira de rodas, por exemplo, não representa nada disso. Os filhos de uma pessoa com deficiência crescem nessa realidade e não são mais ou menos por isso”. Para ele, fugir do capacitismo é reconhecer que uma condição específica pode carecer de apoio social, de um olhar mais atento, seja qual for essa condição.
Mesmo assim, o jornalista já vivenciou situações de constrangimento: “É quase natural que as pessoas me olhem com Elis como um irmão ou como tio. Também é comum um certo olhar de preocupação por um cadeirante estar cuidando de uma criança”, conta. Para ele, falta o entendimento de que uma pessoa com deficiência é uma cidadã plena, que pode ter filhos, casar, descasar, trabalhar, atuar. “Estamos avançando bastante, mas ainda há um estranhamento imenso na ação das diferenças no mundo, na rua, na casa, no sexo, na família, no lazer”, destaca.
Joaquim também viveu inúmeras situações e se deparou com perguntas sobre os cuidados com os filhos sendo surdo. O especialista em acessibilidade cita uma situação constrangedora vivida com um colega de trabalho. Em um almoço com a família e os colegas, ele foi constrangido com uma pergunta de um deles: “Ele falou: ‘Nossa, como assim você tem filhos. Você tem certeza de que são seus?’. Ninguém falou nada, agiram como se fosse uma piada”.
Para Bruno, a falta de informação e de referências é um fator que ainda gera situações de constrangimento: “Não só sobre a paternidade, mas geral. Acho que falta, sem dúvida, o protagonismo e dar espaço para as pessoas com deficiência mostrarem sua realidade, seu cotidiano em condições que não são de superação, mas que são normais”, pontua.
Já Joaquim acredita que é preciso enxergar a pessoa com deficiência como uma pessoa plena. “Com direito a uma vida plena, com os relacionamentos, amizades, família. Vai muito além da falta de informação. Falta se tornar comum ver pessoas com deficiência nos comerciais da televisão, frequentando cinema, teatro, shopping, namorando, na escola. Como pessoas no mundo, precisamos abrir mais espaço para esse convívio com pessoas com deficiência e com a diversidade de maneira geral”, afirma.
Pai para toda hora
Para Bruno, uma das atividades mais legais ao lado de Luca é levá-lo à escola. Com sua cadeira de rodas motorizada, ele amarra o skate do filho e percorre diariamente um trecho de 1 km. “Eu coloco música numa caixinha de som em volume não muito alto para não incomodar quem está passando e a gente vai ouvindo um som passando por vários lugares”, destaca.
Segundo ele, a chegada do filho atrai olhares curiosos de crianças e seus familiares que estão em carros: “Elas olham para o skate e falam: ‘Nossa, deve ser muito legal vir para a escola assim”. Para o consultor de marketing, a paternidade é uma questão de continuidade: “Eu perdi o meu pai muito cedo, então eu me vejo com o meu pai sendo o pai do Luca”.
Joaquim lembra que, quando sua filha nasceu, ainda não havia feito o implante coclear e estava sem aparelhos auditivos. E uma das memórias é dela ainda bebê, brincando de fazer caras e expressões. “Ela deveria ter por volta de 4 meses e minha esposa saiu para trabalhar normalmente. Enquanto eu brincava com ela, tinha a impressão de que estava gritando, rindo alto. Minha esposa chegou e percebeu a casa silenciosa demais. Preocupada, correu para o quarto e encontrou a gente na maior bagunça”, relembra.
O especialista em acessibilidade diz que com poucos meses de vida, sua filha já sabia que ele não escutava: “Não precisava dizer que era surdo. Ela sabia que chorar era para a mãe. E engatinhava até mim, me chamava batendo no meu braço, que era para chamar o papai. Isso foi uma coisa natural, não tive que ensinar a minha filha a lidar com a minha surdez”. Ele destaca que tanto Laura quanto Joaquim Angelo convivem com outras pessoas com deficiência e militam pela causa, até com professores: “Eles costumam corrigir quando alguém se refere com termos errados, como portador de deficiência, pessoa com necessidades especiais ou deficiente”, conta.
Para Jairo, um dos pontos sobre a paternidade com deficiência é muitas vezes ter que entregar o filho na mão de outra pessoa em determinadas situações: “A Elis foi andar a cavalo e eu não consigo acompanhar, por isso eu preciso delegar a alguém”. O jornalista menciona que é preciso confiar em alguém para isso e que ocorre com frequência.
“Talvez aconteça isso com todos os outros pais, em outros níveis. Mas para mim isso cala o coração, porque em muitos momentos eu tenho a sensação de perder o controle da minha cria. E ela é pequeninha ainda. Mas é uma maneira que eu e ela vamos construindo a nossa relação de confiança, de ações e de independência”, finaliza.