Você está visualizando atualmente Ser, Conceber, Evoluir…

Ser, Conceber, Evoluir…

Por Arthur Calasans 

Livro escrito em coautoria com a autora Suze Stasi é o novo lançamento de Joao Carlos Pecci. Os Autores desdobraram fatos que marcam as singularidades de quem vive com a Esclerose Múltipla. As histórias percorreram tramas da memória de Suze, autora e personagem que narra sua relação com o tempo de vida, o resistir a dor e o existir para o mundo, as mudanças repentinas, o corpo que falta, a memória que fica. “Como uma dança, fui conduzida por Joao Carlos Pecci, navegamos juntos em rios caudalosos de emoção, fúria e redenção” afirma Suze.  

 

A produtora fotográfica Suze Stasi, em seu primeiro livro, viu o lamento das imagens surgir em muitos momentos dessa “escrita analisada”. Suze e Joao foi trabalho constituído por dois ambientes, claros e escuros, em ambientes da nossa existência e de infinitas formas de estar no mundo.  O fragmento inicial, a palavra que resta informa que Suzi não chorou, por ausência de lágrimas em seus olhos, quando saiu de um período de reclusão viu acontecer o desejo pela vida. Como ela mesma gosta de dizer Com a esclerose múltipla você sabe como vai dormir, mas não sabe como vai acordar”.  

 

O poeta brasileiro Manoel de Barros define bem, em uma de suas poesias, o que encontraremos nas páginas dessa obra. Além de poesia, o livro é um convite para um novo modo de olhar os “trancos e barrancos” da vida.  

 

“Tem mais presença em mim o que me falta”. 

 Manoel de Barros

 

Confira a entrevista de João Carlos Pecci sobre o livro: Ser, Conceber, Evoluir…

 

 

1 – É o seu primeiro livro em coautoria? 

Não. Em 2010 foi lançado pela Editora Leya “Toquinho – História das Canções”, em coautoria com Wagner Homem. Ele havia escrito sob o mesmo tema histórias das canções de Chico Buarque, e me convidou para escrever sobre Toquinho, de quem sou irmão e biógrafo. Foi uma parceria divertida, evoluída com respeito e afinidades. Já no “Ser, Conceber, Evoluir…”, a parceria foi se caracterizando durante a feitura do livro. Para evidenciar a transparência da história, decidi manter falas reais de Suze, despontando o emocional dos momentos transbordados entre tristezas e alegrias, sofrimentos e prazeres. O livro é um alinhavo de espontaneidade e reflexões que fazem o leitor questionar e questionar-se sobre o que a vida nos leva e no devolve. O destemor dela em superar adversidades e a abnegação em prosseguir diante do improvável e torná-lo tangível, apesar de outrora impossível. E mais a crença dela na vitalidade humana de jamais desistir foi me contagiando. Não poderia deixá-la fora da perceria pelo aprendizado em escrever esse livro, apesar de 55 anos de paraplegia.  

 

 2 – Conte-nos sobre esse encontro com a autora Suze Crede Stasi, que resultou no lançamento do livro: Ser, Conceber, Evoluir…? 

Foi mais uma trama da vida a fortalecer meu caminho. Em 1992, há 31 anos, o livro “Minha Profissão é Andar” fora adotado pela Faculdade de Moda Anhembi/Morumbi para leitura de classe. Mas, há relação entre Moda e paraplegia? Sempre há: tipo de roupa que possa facilitar o cotidiano de um paraplégico, por exemplo. Fiz uma palestra, autografei muitos livros. Um deles para Suzette. O tempo passou, cada um seguiu sua vida sem saber um do outro. Em 2020 recebi uma mensagem no meu celular. Era Suzette me propondo a escrever um livro sobre a história dela. Incentivada pelos amigos, dizia que eu era o escritor preferido, e que não admitia outro. De pronto relutei, não lembrava dela, falando que morava nos Estados Unidos e detalhando circunstâncias de sua vida. Mas pela insistência dela, acabei aceitando o desafio. Foram dois anos de troca de e-mails, mensagens, áudios, telefonemas construindo e lapidando os obstáculos e as conquistas de uma mulher que se dispõe a viver uma vida digna, apesar da Esclerose Múltipla. 
 

3 – A vida de Suze representa o desejo e a luta de muitas pessoas com deficiência. Você acredita que avançamos na luta pela inclusão social das pessoas com deficiência no Brasil? 

Eu posso me considerar um dos precursores dessa luta. Meu livro “Minha Profissão é Andar”, pioneiro na literatura ao abordar o assunto da deficiência com realismo e sem pieguice, tornou-se um autêntico guia para milhares de pessoas saírem da inércia para uma vida ativa. Depois vieram outros livros e através da adoção deles em escolas e Faculdades, a deficiência foi se transformando num falso tabu, sendo aos poucos dismitificada no cinema, no teatro, nas publicidades e até nas novelas. As pessoas com deficiências passaram a sair dos casulos para os parques, shoppings, praias, restaurantes, cinemas, teatros, e a se capacitar para uma vida produtiva, levando à criação de leis obrigando as empresas a admitirem em seus quadros uma porcentagem de “pessoas com necessidades especiais”. Mudou a nomenclatura, mas não mudaram as necessidades. Toda forma de inclusão é importante e deve ser proporcionada. Mas o incrível aumento de pessoas com deficiencia apto

s a dirigir automóveis e conquistando medalhas em Paraolimpíadas talvez mascare as necessidades essenciais de mais professores especializados nas escolas a cuidarem de alunos autistas, cegos, surdos, paralíticos e outras formas de deficiência proporcionando inclusão social adequada. Além disso, em quantas calçadas das cidades se pode transitar numa cadeira de rodas com tranquilidade? Ou facilitar aos cegos um passeio digno? Em quantos ônibus se pode confiar que não será derrubado ao escalar os degraus da entrada ou usar o elevador sem problemas?  Sem dúvida, houve progressos na inclusão social das pessoas com necessidades especiais. Mas há ainda aspectos especiais dessas necessidades que precisam ser tratados com mais carinho e responsabilidade. 
 

4 – Em seus livros você sempre tratou as questões do capacitismo, da acessibilidade, dos corpos e da diferença com muita delicadeza e poesia. O maravilhamento da vida sempre foi dosado pelos “trancos e barrancos” da existência. Em “Ser, Conceber, Evoluir…” foi assim também? Conte-nos mais sobre passagens que trazem essas questões. 

Todo tipo de deficiência oferece ‘trancos e barrancos”. Nessa luta incessante há que suportar os trancos para que eles não machuquem mais que a própria deficiência; e aprender a escalar os barrancos atingindo o topo sem perder o fôlego. É uma questão de transformação. Nada é igual quando se contrai uma deficiência ou uma doença grave como a Esclerose Múltipla. Mesmo assim não se pode agredir a vida. Ao contrário, inventar esforços para recuperar o que ela nos tirou, confiando em si mesmo, acima de tudo. Essa é a trajetória de Suzette, desde o início, ainda na esperança do contrário. Os trancos são muitos, e ainda ativos, não há cura. Continua escalando barrancos, em alguns chega até a metade, em outros atinge o cume, em muitos consegue ir até mais alto, em voos outrora impossíveis. Agora não mais, mas suportou seguidas internações, cirurgias, transplante quase fatal. A doença cerca, e ela a dribla. Às vezes escorrega, levanta-se e prossegue demonstrando a vitalidade humana dos que não esmorecem. O amor a conduziu sempre, e a conduz até hoje. Amor à vida, ao empenho, aos sonhos realizados e ainda sonhados; amor E à família, à filha, ao marido. Amor à própria existência, atravessando-a com delicadeza e poesia… o que nem sempre é possível. E o livro mostra isso também. Os quase naufrágios e as sucessivas emersões… 
 

5 – Como foi escrever sobre o tema da existência, do tempo da vida, da potência dessa personagem? Viver é um ato de resistência? 

Foi um constante aprendizado. Comecei ensinando-a as artimanhas de se expor, de sair da grossa casca da consciência e revelar o miolo agridoce da autenticidade. O livro requisita, antes de tudo, a verdade. Sem pieguice ou dramaticidade exagerada. Não é fácil transformar o emocional em palavras exatas. Revirar o tempo é revirar-se, encolher-se e espalhar-se, às vezes em choro, outras em risos. E conservar o vigor de prosseguir. Ela foi aprendendo a sugar de sua memória sentimentos a atitudes que refletem a resistência dessa mulher em jamais sucumbir, mas aflorar mais e mais o instinto da autocura, enfrentando uma doença prognosticada como incurável. 

 

Abraços meu caro amigo!

Este post tem um comentário

  1. Eliane Siuffi Abbud

    Não vejo a hora de ler todos os relatos presentes neste livro e também navegar em rios caudalosos de emoção. João, suas palavras neste post me emocionaram . Suze, com certeza você é uma mulher excepcionalmente forte, e o seu relato no livro com certeza uma referência para muitas e muitas pessoas. Um abraço!

Deixe um comentário